By JOÃO SAMPAIO - Itaqui/RS

domingo, 13 de novembro de 2011

PAISAGENS DE FIM DE TARDE


Surge na curva do rio
Como um ponto sombrio
Um caique e um pescador.
Quadro de rara beleza
Que a mão da mãe natureza
Pinta antes do sol se pôr...

No caique um corpo esguio
Com o pensamento vazio
Deslizando no Uruguai.
Respingado de esperanças
Vem cortando as águas mansas
Enquanto a tarde se esvai...

Moldurado por barrancas
Pairam claras nuvens brancas
Se refletindo na água
E esse pescador costeiro
Correntino ou missioneiro
Vem silvando na pirágua!

Olha o horizonte dourado
E vê que o rio no outro lado
Se embeleza ainda mais.
Os raios do sol vermelho
Fazem da água o espelho
Que se vê junto do cais...

Tendo de fundo o infinito
Que ainda deixa mais bonito
O sol por trás do horizonte.
Vai no remanso um cardume
E o vento traz o perfume
Que exala da flor do monte...

Se repete todo o dia
Quando chega a AVE-MARIA
E o sol empeça a se pôr
Esta cena campesina:
Entre o Brasil e a Argentina
Um barco e um pescador...
...........................................

* Tema de JOÃO SAMPAIO & MARCOS AQUINO gravado por JORGE GUEDES.

"O mundo cresceu mas o ser humano não acompanhou. Nós estamos vivendo a época da caverna, no príncipio do mundo, em matéria de gente. O homem está cada vez mais selvagem; cada vez mais animal, cada vez mais monstro. O que mais precisa para o homem se dar conta????" MANO LIMA.

QUANDO SE FOI MEU CAVALO


Me "alembro" daquele dia
Em que te achei abichado
Potrilho fogoso e lindo
Gavião e casco rachado
Co'a cola só no sabugo
Pitoqueada pelo gado.

Depois nos bolichos de campanha
(Templos de barro e taquara)
Solito chapéu tapeado
Nesse zaina-malacara
Parecia que se apeava
O finado CHE GUEVARA!

Antes morresse de raio
De rodada ou garrotilho
Ou que planchasse correndo
Comigo sobre o lombilho
Ou então escramuçando
Como se fosse um potrilho!

Quando se foi meu cavalo
Se sumindo no sem-fim
Ficou um relincho timbrado
Por entre o céu e o capim
E m'ia alma comeu mio-mio
Pastando dentro de mim...

Coisa triste meu parceiro
O cimbronaço desse pealo
E pra embretar o silêncio
Que me sobrou de regalo
Até acordado eu escuto
O relincho do meu cavalo!!!

Não tenhas pena parceiro
Vendo a minha alma que chora
Guardei aquele relincho
No tinido das esporas
Pois eu já tive um cavalo
E pra sempre ele foi embora!!!!!!

Por isso quando abro o peito
Neste ofício sacrossanto
Bufa o silencio maneado
Que pasta a soga do pranto
E há um relincho de bagual
Em tudo aquilo que eu canto!!!!!!!!!!

GUERREIRO....GUERREIRO
QUANO ESCUTAVA UM CLARIM
SE APARTAVA DA MANADA
E SE APRESENTAVA PRA MIM
JÁ TIVE MUITOS CAVALOS
MAS NENHUM AMIGO ASSIM!!!!!!!!!

*Tema de JOÃO SAMPAIO & ELTON SALDANHA gravado por MANO LIMA.

"Todos os paises são dificeis de governar. Só o BRASIL é impossível!" MILLÔR FERNADES.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

CANÇÃO PARA NINAR...

...O SONHO DE UM GURI PESCADOR!


 A tadrde se estende calma
Como um trinar de ZORZAL
Vai nela um homem e um barco
Por entre o camalotal...

Um piá vai aprendendo
Magias de água e areia
Atirando iscas no rio
Ouvindo coplas alheias!

No rancho ficou sua mãe
Tricotando a solidão
Tecendo com um fio de voz
A teia deuma canção.

Todo o dia o guri sonha
Entre as águase o espinhel
Brincando na correnteza
Com um caique de papel.

A noite emponcha tristezas
A lua surge bem lá
Se espelhando nos remansos
Das águas do Paraná...

A mãe canta bem baixinho
Numa voz que tudo atrai
E ele se enxerga no sonho
Pescador igual o pai:

DORME MEU GURI COSTEIRO
DORME E SONHA MEU AMOR
O RIO CORRE MAS ESPERA
TEU ANZOL DE PESCADOR!!!

DORME MEU GURI COSTEIRO
DORME E SONHA MEU AMOR
UM DIA SERÁS IGUAL
AO TEU PAI...UM PESCADOR...
...............................................

* Tema de canção costeira de JOÃO SAMPAIO & DIEGO MULLER - musicado e gravado por VALDOMIRO MAICÁ.

 "Os homens de bem não constroem impérios apenas fornecem a argamassa."
MILLÔR FERNANDES.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

BRASINO PÊLO DE TIGRE






Tenho um perro cimarrón
Dos que peleia de pé
Brasino pêlo de tigre
Chamado de Bororé!

Maleva desde novinho
Se criou flor de campeiro
Com ele não tem de alçado
Que não venha pro saleiro!

Quando pega algum gavião
Se é grande deixa retaco
É o meu amadrinhador
Caso eu encilhe um velhaco!

Na zebuzada de cria
Só vendo esse companheiro
Enche a vaca de gambeta
Enquanto eu curo o terneiro!

Certa feita me salvou
Numa caçada campeira
Nem bem eu entrei no mato
Se atracou numa cruzeira!

Às vezes só no borralho
Parece que vai falar
Ganiça um recuerdo antigo
Com uma tristeza no olhar!

Quando me dá na veneta
Eu saio sem rumo certo
E caso vá nalgum bochincho
Meu Bororé só de esperto
Deita embaixo do meu mouro
E nem o Diabo chega perto!

Se ele também fosse peão
Taureando o destino ingrato
Defendia o seu puchero
E ganhava por três ou quatro!

Pois tem campeiro do povo
De pilcha nova e guaiaca
Bobo igual terneiro novo
Que acompanha trem por vaca!

No açude em frente da estância
Parece um quadro de outrora
Nadando bem na flor d’água
Com o fio do lombo de fora!

Quantas vezes arrisca a vida
Pra não me deixar solito
Um touro brabo no laço
Ele rasga a dente o maldito!

Reculuta nos vizinhos
Com garbo de antigamente
Parece um guerreiro gaucho
Marchando de sangue quente!

Não dispara de estampido
Chamigo de alma e fé
Brasino pêlo de tigre
Chamado de Bororé!

Nos dias de gineteada
Com um maula que corcoveia
Caso ele ameace ir na cerca
Sai pegando “nas oreia”
E já salta no meu costado
Se “rebentá” uma peleia!

*Tema de João Sampaio.

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"Fique frio - pra cada sonho que não se realiza há um pesadelo que também não."
MILLÔR FERNANDES.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Brasão maior...

...do Rio Grande!!!

(Estância Querência - Itaqui/RS)

Carrega ventos nas patas
Horizontes nas retinas
Guarda marés dos oceanos
... Deslizando pelas clinas.

Veio direto da Espanha
Pra onde hoje é SÃO DOMINGOS
Se espalhou no Continente
E no Rio Grande virou pingo.

Guarda a imponência monarca
Herdada lá das lonjuras
Mescla de llanos y chacos
Pampas...Cerros e planuras.

Foi MESTEÑO y CIMARRÓN
Foi bagual e foi MUSTANG
Hoje é o CAVALO CRIOULO
Com terra e pátria no sangue!

HOJE É O CAVALO CRIOULO
BRASÃO MAIOR DO RIO GRANDE!!

Nada melhor que um capincho
O lombo é uma rede na encilha
Ligeiro e doce de boca
Um rochedo na presilha!

Tem a coragem dos índios
A bravura dos farrapos
A destreza dos felinos
E a alma livre dos guapos.

Mantém na morfologia
Rusticidade e estampa
Parece um postal com vida
Noquadro verde da pampa!

Foi o trono do GAÚCHO
Sempre pronto para um upa
Levando a História no lombo
E o Rio Grande na garupa!!

LEVANDO A HISTÓRIA NO LOMBO
E A LIBERDADE NA GARUPA!!!!

ESSE É O CAVALO CRIOULO
BRASÃO MAIOR DESTA TERRA
IRMÃO GÊMEO DO GAÚCHO
PARCEIRO DE LIDA E GUERRA!!!!!!!!!!!!!!

* Tema de JOÃO SAMPAIO & ODENIR DOS SANTOS
Musicado e gravado por LUÍS CARDOSO
No CD de JOÃO SAMPAIO 40 MARCAS CAMPEIRAS DO PAÍS DA GAUCHADA - USA/DISCOS
(João Sampaio e Tarico Sanches, na Argentina - Corrientes)



"Às vezes sou desmancha-prazeres,mas só pelo gosto de arrumar de novo. Há os que perseguem as feras. E Há os que preferem acompanhar as pegadas pra ver de onde elas vieram."
MILLÔR FERNANDES.

O Índio que a gente conhecia...



O Índio que eu conheci...
(Rogério Villagran)

Existem pessoas que escrevem a sua historia com muito pouca coisa... Eu conheci um homem que escreveu a sua, apenas com um par de esporas de ginetear em pelo e uma rédea pescoceira!!!! Apenas isso!!! Ele era índio!!!! Os índios são exímios cavaleiros apenas saltando em pelo sobre o lombo do cavalo... E este índio que eu conheci era o melh...or de todos!!! Não sei de qual tribo ele era, mas sei que todas as outras “tribos” o idolatravam e admiravam... Muitos queriam ser índio que nem ele!!! Ser o índio que ele era, ter a mesma coragem, a mesma destreza, saber das manhas que só ele sabia... Ter, da mesma forma, o domínio que ele tinha sobre os seus objetivos, quando lentamente ele caminhava na direção do palanque onde lhe esperava, atado, mais um capitulo da sua estória, que ali continuaria sendo escrita!!! Um cavalo aporreado!!! Poderia ser qualquer um... Poderia ter qualquer pelagem... Desde que fosse muito veiaco!!! Que tivesse um nome que intimidasse... Que fosse desafiador... Que tivesse fama... Que fosse invicto...Que fosse uma topada dura...e alem disso tudo, que fosse muito veiaco!!!! Por que assim ele poderia dar continuidade a sua história... Gineteando!!!! Eu vi este índio ginetear... E agora vejo o quanto, foi importante aquele grito que eu dei, junto a tantos, que também gritaram na beira da cerca... Não froxa Indio!!!! Quando a mão do palanqueiro puxou a soga ali no seu pedido de “solta”... Muitos tombos, Muitísimos triunfos...isso tudo faz parte de uma história!!!! História de quem gineteava muito... Um homem muito de a cavalo...um ser humano perfeito!!!! Com todos os defeitos e todas as qualidades que todos nós, temos o direito ou obrigação de ter... Creio que isso sim, faz uma pessoa ser perfeita!!!! Eu lhe admirava muito, lhe tinha um carinho enorme... Era um índio amigaço!!! Um índio gaúcho!!! De poucas palavras, mas palavras verdadeiras... E, porém muito irreverente quando podia ser!!! Alguém que sei que tinha o mesmo respeito por mim... Sempre dizendo: Rogério, quando vier a Lages aparece la por casa pra tomar um mate!!! Sempre vou dar muito valor a sua imagem e a sua história, ainda mais porque sei, que ela foi escrita apenas com um par de esporas de ginetear em pelo e uma rédea pescoceira...isso é para poucos meus amigos!!!
IVAN RIBEIRO!!!! Este é o nome de quem falo...Todos lhe chamavam de ÍNDIO!!!! E hoje estou muito triste porque, á tardinha, quando eu estava julgando umas gineteadas aqui na minha terra, recebi a triste noticia de que o meu amigo INDIO havia morrido... Ficou aquela sensação de que estava faltando alguém por montar...aquela vontade de pedir para o narrador chamar mais uma vez...dizer: Índio!!! Ivan Ribeiro!!! Teu cavalo ta no palanque!!!! É muito triste saber que a vida, ou mesmo talvez o que chamamos de destino, mesmo tendo os seus motivos, não foram nem um pouco generosos achando-se no direito de escrever este capitulo tão doloroso, numa história que era tão linda... Não era pra ser assim!!!
Amanha vou pedir, que, por ti, um aporreado seja solto Índio... E vou dar a tua “nota” com o meu coração!!! Vou pedir pra Deus que te “saque” na garupa... E que Nossa Senhora Aparecida te entregue o maior de todos os prêmios!!!! O reconhecimento de todos que te queriam bem, que torciam por ti, que seriam capazes de fazer o mesmo que tu fizeste, onde querendo ser aquele que faz um costado, que amadrinha, que livra do tombo, que salva, perdeste a tua própria vida...Isso é ser um grande homem!! Valoroso!!! Destemido!!! O ginete Lageano!!!! Um dos homens mais cavaleiros que conheci!!! Uma grande perda!!! Te deixo aqui um grande abraço meu amigo!!!! Um grande abraço Índio!!!

Um grande abraço Ivan Ribeiro!!!

Que Deus o tenha junto dele!!!!

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Se foi num dia de novembro
Vestido de primavera
Ficaram garras e cordas
E uma gineta quimera
Seu nome os ventos repetem
Seu basto ficou tapera!

Pedimos para um Deus criollo
Que lhe dê como regalo
Um funeral ded cordeona
Com relinchos de cavalo!!!

(João Sampaio e Filipe Corso)

Nossa reverência poética
com Filipe Corso, ao grande ginete Ivan Ribeiro que se foi,
extensivo a toda a sua família, principalmente ao nosso parceiro de arte Edvan, também...
Índio Ribeiro!!!


"Enquanto houver alguém que lembre da gente a gente não morre. E quando ninguém mais lembrar,aí já não importa, pois é sinal de que estamos todos juntos." ANÔNIMO.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

DOS MANANCIAIS DO MEU CANTO...

(Wilson Paim, João Sampaio e Mano Lima)
Eu quero esta pampa livre
Sem estrangeiro de dono
Pra ver meus filhos brincando
... Na sombra dum cinamomo.

Gira...Gira catavento
Gira co'a gente também
Pra que o pão da nossa mesa
Vá pra quem o pão não tem.

Eu quero um canto crioulo
Desses de cantar com garra
Pra que os poderosos troquem
Seus arsenais por guitarras!

Eu canto pra quem trabalha
E levo esperança ao homem
Que vê sua piazada triste
Choramingando de fome.

Um dia o homem acorda
Do seu sonho irracional
E a terra será de todos
Sem latifúndio feudal!!

Eu quero a América inteira
Cantando o mesmo refrão
Pra ver meu povo feliz
Liberto da espoliação!!

VELHINHOS ESPERAM A MORTE
SOBRE AS JANELAS DAS CASAS DAS VILAS
TANTO QUE LUTARAM...TANTO TRABALHARAM
NADA AQUI ARRUMARAM EM DOMAS E ESQUILAS!!!!!

* Tema popular libertario de JOAO SAMPAIO & FELIPE P. ALEGRE.

* Eu nao tenho preconceito. Eu tenho gosto. Achei de pessimo gosto esse RODEIO DA NOSSA EXPOFEIRA DE ITAQUI . IMITACAO GROSSEIRA DOS DE BARRETOS(QUE JA E COPIA DOS DO TEXAS!!). QUE COISA FEIA UM GAUCHO COM BOTAS E CHAPEU DE COWBOY. PERGUNTO A QUEM PERPETROU ESSE ATENTADO CONTRA A NOSSA CULTURA?QUANDO QUE LEVARAM PARA BARRETOS A MUSICA E OS COSTUMES GAUCHOS?????? O PIOR COLONIALISMO E ESSE ! Diante de tanta ALIENACAO me lembro do grande patriota Jose Marti que dizia que UM POVO SO E DONO DO SEU DESTINO QUANDO TAMBEM E DONO DA SUA CULTURA!!!!!!!!!!!!!



"Uma roubalheira sem precedentes é apenas mais uma roubalheira antes ded uma roubalheira maior,sem precedentes."
MILLÔR FERNANDES.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

JOÃO SAMPAIO FALA EM ENTREVISTA AO JORNAL A NOTICIA...

COMO SURGIU A MÚSICA MISSIONEIRA?

A NOTÍCIA:Nota-se a sua sólida formação cultural,pelo rico conteúdo da sua poesia.Qualo incentivo que teve em torno dos livros,na sua juventude em Itaqui?

JOÃO SAMPAIO:Eu fui um guri extremamente tímido,ensimesmado e arredio. Meu pai tinha uma ótima biblioteca. Comprava tudo que saia.Tinha muito bom gosto. Quando eu descobri os mundos que estão dentro dos livros não parei mais de ler. Insconscientemente atendi ao pé da letra o repto do grande Mário Quintana o de que o verdadeiro analfabeto é aquele que sabendo ler não lê.Lá na estância do meu pai eu me refugiava numa velha carreta que estava com o cabeçalho apoiado na forquilha de um cinamomo e passava(recostado nos pelegos!) o dia lendo e desvendando novos mundos.Lembro da severidade com que fui repreendido,quando meu pai me pegou lendo(devorando ávidamente!) o Diário que o Che Guevara escreveu na Bolivia. Isso lá por 68/69 em plenos anos de chumbo,eu com dez anos o meu pai achava imprópria aquela leitura para mim. Aliás possuir aquele livro em casa era subversão. Outra festa foi quando eu descobri o MARTÍN FIERRO e o GRANDE SERTÃO:VEREDAS mexeu tanto comigo,me deixou tão excitado(apesar do estilo difícil)que eu não conseguia dormir e como não havia luz elétrica na estância,eu amanhecia lendo à luz de velas. Outras vezes lia na madrugada escondido,com uma lanterna de pilhas que eu tinha roubado previamente da minha mãe. Até hoje o hábito da leitura para mim é fisiológico.Isso é de família. Um primo meu de Uruguaiana,devorador de romances e novelas,estava lendo embevecido O TEMPO E O VENTO do nosso Érico Verissimo e quando chegou na parte que o CAPITÃO RODRIGO CAMBARÁ(um dos personagens mais carismáticos criados pelo Érico)morre o meu primo entrou em depressão chegando inclusive ao cúmulo de botar luto fechado. Como se tivesse perdido um amigo. O Érico soube do episódio e ficou tão encantado que escreveu-lhe uma carta carinhosa. Obedeço rigorosamente a máxima de Cícero "casa sem livros,corpo sem alma". Inclusive o melhor presente que eu posso ganhar é um livro,pois para mim quem te regala um livro está te elogiando,não é só um presente.
A NOTÍCIA:A poesia veio em primeiro e depois veio a composição musical e sempre com temas campeiros?

JOÃO SAMPAIO:Na verdade a poesia foi o refúgio que eu encontrei,para desensacar um universo campeiro que eu tinha arranchado dentro de mim. Com 14 anos fui estudar num internato do Colégio Mauá de Santa Cruz do Sul. Para um guri campeiro,que se criou na pampa ouvindo berros de touros,relinchos de potros e que teve como primeira música na infância,o tinido das rosetas das esporas do meu pai e da peonada,foi um verdadeiro choque cultural,o encontro com aquela alemoada. Gente com outros costumes,outros valores,um mundo tão diferente do meu de guri de fronteira,criado na garupa dos caiques que cruzavam o Uruguai num intercâmbio sem fronteiras. E foi assim,graças a saudade,que a poesia crioula entrou na minha vida para ficar. Tinha um professor de português em Santa Cruz do Sul,Guido Sefrin que me incentivou muito. Inclusive nos sábados eu fazia durante a aula dele,uma payada comentando as noticias da semana. Inspirado,mas não copiando,o que o Jayme Caetano Braun fazia na Rádio Guaíba acompanhado pelo Noel Guarany.

A NOTÍCIA:Voce sempre foi um estudioso sobre os temas que abraça ou isso veio mais tarde,no aprimoramento do seu trabalho?

JOÃO SAMPAIO:Eu sempre fui muito ávido pela nossa cultura. Era muito curioso e ia atrás. Deus me deu uma memória fotográfica. Aprendi espanhol sozinho,lendo,ouvindo e convivendo com los hermanos do garrão da América. Aprendi um pouco de guarani com o Noel Guarany,inclusive as suas armadilhas semânticas,prosódicas e fonéticas. É uma língua,ou um dialeto como querem os doutos e filológos,permeada e perfumada por uma aura de poesia telúrica. Como dizia Atahualpa Yupanqui,o patriarca do canto criollo "cuando se muere un cacique de mi raza es como se se incendiara toda una biblioteca.!"
Nessa área me atrevi a escrever um livro,com um título pretensiosamente nerudiano chamado VINTE E SEIS POEMAS GUARANIS & CINCO CANÇÕES DE RIO editado pelo IEL(INstituto Estadual do Livro)com parecer altamente elogioso e favorável do grande Sergio Faraco. Nessa obra eu resgato a simplicidade, a magia e a inocência das lendas e também da urdidura complexa das crendices e superstições que são o espelho da alma guarani e missioneira,pesquisados por nós no Brasil,na Argentina e no Paraguai. Isso abrange desde as lendas etiológicas da fauna e da flora,até as canções de ninar,a sabedoria aborígene,os mitos guaranis e uma mágica e inventiva versão índia do Dilúvio,com o respectivo Noé bugre e toda a bicharada da Arca.Estou sempre pesquisando a arte crioula,e sem xenofobia estudo toda a geografia do gauchismo,que não é só o Rio Grande,como querem,em sua estreiteza sociológica,antropológica e histórica os CTGs e o Movimento Oficial Gaúcho.


A NOTÍCIA:A crítica o considera uma das maiores expressões no estilo payador.Como começou isso e quais as influências que teve nessa área?

JOÃO SAMPAIO:Quando eu(ainda muito guri) comecei a militar na arte pampeana,eu me guiava por dois sinais luminosos na poesia:Aureliano de Figueiredo Pinto e Jayme Caetano Braun. Influenciado pela exuberância do Jayme comecei a praticar a dificil arte da payada.Muitas vezes,nas pulperias costeiras dos dois lados do Uruguai,ficavámos hasta que despuntase el alba guitarreando e payando de contrapunto eu e o Noel Guarany,que morava em Itaqui,meu maestro e também meu querido irmão espiritual que até hoje me faz muita falta. Para mim e para a verdadeira arte missioneira. Eram payadas inocentes,onde vergastavámos a ditadura da época e denunciavámos as injustiças sociais de maneira veemente e reverenciavámos as coisas eternas da condição humana. Hoje ainda improviso se for preciso. Mas gosto mesmo é de escrever. E quando estou deprimido não procuro analistas,pratico VERSOTERAPIA e me curo com o meu canto pampeano que um Tupã gaucho y misionero me alcançou de regalo.

A NOTÍCIA:Voce foi parceiro do Noel Guarany num elogiado LP. Com quais músicas?Fale sobre isso.

JOÃO SAMPAIO:Na verdade quem me descobriu para a música foi o Noel Guarany e além de me ensinar tanta coisa,ainda tive a honra de ser,juntamente com Jayme Caetano Braun(que na sua última aparição pública me indicou como seu sucessor!) e Aureliano de Figueiredo Pinto o letrista mais gravado pelo Noel.
Nas Missões a música sempre foi muito importante. Se cantava para tudo:para trabalhar,para festejar,para louvar o nosso Tupã guarani,para guerrear e também para prantear e enterrar os nossos mortos. O lendário Padre Antonio Sepp,formou milhares de músicos,virtuoses que tocavam com a notação musical mais avançada da época. Depois da expulsão dos jesuítas e do traslado dos índios,para o outro lado do rio aconteceu(com a chegada dos imigrantes gringos e outros fatores sócio-econômicos) uma certa "desaceleração" nessa musicalidade. Mais contemporâneamente,sobraram músicos espontâneos como o Cabo Laranjeira, o Reduzino Malaquias , o Chico Guedes e muitos outros,que,a duras penas,mantiveram galhardamente esse tesouro musical,lutando para não se contaminar com imitações dos Bertussi(que nada tinha e nada tem a ver conosco!) e de duplas sertanejas com temáticas postiças e artificiais,que não contextualizavam o canto da nossa terra e do nosso povo. E foi aí que surgiu a genialidade de Noel Guarany,que andou com sua guitarra mágica peregrinando pela América e miscigenou sonoridades remanescentes do antigo cancioneiro missioneiro guarani,com timbres platinos,uruguaios,argentinos e paraguaios. Disso tudo o Noel fermentou o bolo musical que hoje é conhecido como música missioneira. O Noel Guarany,foi,como diria Brecht,um homem imprescíndivel para o tempo em que viveu. Foi um pioneiro e um precursor único. Foi o primeiro a gravar uma chamarrita(que aqui era só dança coreográfica!),foi o primeiro a gravar uma cifra(ritmo do qual originou-se a milonga!)foi o primeiro a falar em bailanta,pulperia e também o primeiro a gravar um rasguido doble. E além disso fez escola. Atrás do rastro encantado deixado por ele,vieram o Pedro Ortaça e o Cenair Maicá,que cantavam outro gênero de música e se encontraram na picada aberta pelo Noel.O Noel foi tão importante que ,além de dotar a música gaúcha de uma face índia,que ela não tinha,abriu ainda para o grande Jayme Caetano Braun uma janela de latino-americanidade,livrando com isso o Jayme,daquela ortodoxia cetegeana e conservadora que ele tinha no início.Para mim,estudioso comprometido com a verdade,Noel Guarany é o verdadeiro marco divisório da música gaúcha. Surgiu com qualidade vocal,melodócia e temática muito antes da Califórnia e congêneres. Tinha carisma e estilo próprio e cantava com grande dignidade. Além do herdeiro espiritual por ele escolhido que é o Jorge Guedes,deixou inúmeros seguidores de sua escola como Luiz Marenco,Lisandro Amaral e muitos outros.Sua música tem uma estranha e mágica fosforêscencia é o pajé bugre da musicalidade missioneira. O Rio Grande tem uma dívida impagável para com o Noel Guarany.

A NOTÍCIA: Quais seus outros parceiros musicais?

JOÃO SAMPAIO: Ao longo do tempo,depois de ser descoberto pelo Noel,fui sendo procurado pela maioria dos cantores e compositores da muscicalidade contemporânea do Rio Grande do Sul. São muito poucos os artistas que militam na nossa música que até hoje não gravaram algo nosso.

A NOTÍCIA: CANTO AO CAVALO CRIOULO é uma homenagem à montaria do gaúcho. Como se inspirou nisso?

JOÃO SAMPAIO: CANTO AO CAVALO CRIOULO,foi escrito quando eu era ainda um guri. Lá por 1977 e só foi editado em 1982,pelo abnegado operário da nossa cultura,que foi o Martins Livreiro.
O opúsculo foi prefaciado pelo Noel Guarany e pelo Jayme Cateano Braun. Eu ainda moro no campo,tenho uma estanciola localizada na Coxilha do Rincão da Cruz,Centro Geográfico do município de Itaqui e estou permanentemente em contato com o campo,com o homem do campo e com os motivos que são a matéria-prima que endulza con su miel a nossa arte.

A NOTÍCIA: Quais os livros de poemas já lançados? Algum novo à vista?

JOÃO SAMPAIO:Tenho quase duas dezenas de livros editados. Na área da poesia crioula bilingue,do anedotário,do folclore e da cultura afro-ameríndia. Inclusive um chamado CANTOS DE TABA & SENZALA,editado na Argentina, e que juntamente com o meu compadre Jorge Guedes pretendemos transformar num CD,um projeto audacioso que resgata a musicalidade e a contribuição cultural da raça negra e do índio,ambos tão vilipendiados ao longo dos séculos. A raça negra se emancipou socialmente mas o índio(o precursor do gaúcho!) continua sendo tratado como um ser exótico. Como se estivesse num zoológico.

A NOTÍCIA:Quais as premiações que destacaria na na sua carreira?

JOÃO SAMPAIO:Já fomos premiados em vários eventos e em pencas festivaleiras,mas o maior prêmio é ser ouvido,lido,consumido pelo nosso povo e assim ajudar a fazer a manutenção e a preservação do patrimônio cultural da nossa terra e da nossa identidade sociológica. Também coinsidero prêmio a edição desse livro sobre os guaranis pelo IEL(Instituto Estadual do Livro)e também ter textos publicados na Argentina,no Uruguai,no Paraguai,poemas traduzidos no Japão e letras gravadas na Europa(Suiça) e nos Estados Unidos.

A NOTÍCIA: TOURO FUMAÇA, um dos seus maiores sucessos,na voz do Mano Lima,é uma música bonita e triste ao mesmo tempo,muito valorizada na sua obra. O que o inspirou mesmo?

JOÃO SAMPAIO: TOURO FUMAÇA que se popularizou na interpretação do meu compadre Mano Lima,é o relato de uma tragédia rural que eu ouví lá nos longínquos galpões da infância e que resolvi transformar num pequeno CONTO CRIOULO RIMADO,inovação que estamos lançando no nosso novo CD DUPLO(USA/DISCOS) chamado 40 MARCAS CAMPEIRAS DO PAÍS DA GAUCHADA. Inclusive um desses contos do CD(são sete!) impressionou muito o Sergio Faraco,nosso contista maior,que inspirado nele,pretende nos brindar com mais um dos seus contos magistrais e antológicos.

A NOTÍCIA: Algo a dizer sobre São Luiz Gonzaga e as Missões,terra de Noel,Ortaça,Guedes ,Jayme Braun e de tantos amigos?

JOÃO SAMPAIO: São Luiz Gonzaga é o meu segundo rincão. Tenho tantas vinculações com esse povo e essa terra. Estou em perfeita sintonia com a energia que emana e paira sobre essa lendária redução jesuitica e cada vez que a visito me sinto habitado pela mesma força cósmica que deixaram os pajés e os duendes missioneiros. Em São Luiz fiz e tenho tantos amigos queridos,pessoas raras como o Pedro Ortaça e família,querido irmão de ideário artístico,um grande artista popular. Meu compadre Jorge Guedes e família,que tem clarinadas na voz e um cacique guarani arranchado no coração;meu compadre Xirú Missioneiro dentro da sua singeleza um grande representante das Missões;meu amigo Nenê Guedes e família outro missioneiro que honra o chão em que pisa;os amigos da Casa do Poeta na pessoa da Vãnia Coimbra,a lembrança querida ,amiga e fraterna do Zizi(José Luiz da Cunha Pacheco),do Nélio Lopes e de tantos outros queridos amigos que nos fazem melhores do que realmente somos.
São Luiz é o Distrito Federal das Missões. A Capital Nacional do Folclore Missioneiro e o meu segundo lar.

Deixo um recado de amigo
Pra quem sofre e se maldiz
Se na tua terra parceiro
Te virarem o nariz
Arruma as malas na hora
E vem de muda pra São LUIZ!!!

* Entrevista que foi publicada no jornal A NOTÍCIA
nos dias 22/23 & 26 de outubro de 2011.

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"O CORRUPTO é um animal extremamente parecido com um NÃO CORRUPTO. Mas esta espécie está quase extinta por ser fácil de capturar. Está bem. Deus é brasileiro. Mas para defender o Brasil de TANTA CORRUPÇÃO só colocando Deus no gol."
MILLÔR FERNANDES.