By JOÃO SAMPAIO - Itaqui/RS

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

NA ESTRADA DEPOIS DA CHUVA...


O seu poncho chora chuvas
Pingando gotas no chão
E um verso de campo e mato
Arrulha no coração.

Se chama DAMÁSIO AGUASIL
Maestro em doma e esquila
Parente do quero-quero
Pois não dorme só cochila!

Pelegão de carnal pra riba
Por conta da chuvarada
E o pingo baio encerado
Se atravessando na estrada.

Na voz dos bichos do campo
Se ouve um cantochão tristonho
E no braseiro da sua alma
Se acende o lume de um sonho.

Pára a chuva de repente
Aponta no céu um sol de maio
E ele vai de poncho encharcado
Pesando na anca do baio.

No repechar da coxilha
Sua alma se enche de vida
Ao encontrar outro taura
Irmão de sonho e de lida.

Batendo estrivo com o sol
E os cavalos relinchando
Se vão dois vultos na estrada
E um deles vai assobiando.

Se separam léguas adiante
Enquanto a noite quieta cai
DAMÁSIO abana da porteira
"Munta" a cavalo e se vai...

SUA SILHUETA NA ESTRADA
COM CHEIRO DE MAÇANILHA
LEMBRA UMA ESTRELA GAVIONA
QUE SE APARTOU DA TROPILHA...
..................................................

* Tema de JOÃO SAMPAIO - Musicado por ÉRLON PÉRICLES e gravado por JEAN KIRCHOFF.
 

 " A amizade é o fio de ouro que liga o coração ao mundo."
JONH EVELYN.

domingo, 13 de novembro de 2011

PAISAGENS DE FIM DE TARDE


Surge na curva do rio
Como um ponto sombrio
Um caique e um pescador.
Quadro de rara beleza
Que a mão da mãe natureza
Pinta antes do sol se pôr...

No caique um corpo esguio
Com o pensamento vazio
Deslizando no Uruguai.
Respingado de esperanças
Vem cortando as águas mansas
Enquanto a tarde se esvai...

Moldurado por barrancas
Pairam claras nuvens brancas
Se refletindo na água
E esse pescador costeiro
Correntino ou missioneiro
Vem silvando na pirágua!

Olha o horizonte dourado
E vê que o rio no outro lado
Se embeleza ainda mais.
Os raios do sol vermelho
Fazem da água o espelho
Que se vê junto do cais...

Tendo de fundo o infinito
Que ainda deixa mais bonito
O sol por trás do horizonte.
Vai no remanso um cardume
E o vento traz o perfume
Que exala da flor do monte...

Se repete todo o dia
Quando chega a AVE-MARIA
E o sol empeça a se pôr
Esta cena campesina:
Entre o Brasil e a Argentina
Um barco e um pescador...
...........................................

* Tema de JOÃO SAMPAIO & MARCOS AQUINO gravado por JORGE GUEDES.

"O mundo cresceu mas o ser humano não acompanhou. Nós estamos vivendo a época da caverna, no príncipio do mundo, em matéria de gente. O homem está cada vez mais selvagem; cada vez mais animal, cada vez mais monstro. O que mais precisa para o homem se dar conta????" MANO LIMA.

QUANDO SE FOI MEU CAVALO


Me "alembro" daquele dia
Em que te achei abichado
Potrilho fogoso e lindo
Gavião e casco rachado
Co'a cola só no sabugo
Pitoqueada pelo gado.

Depois nos bolichos de campanha
(Templos de barro e taquara)
Solito chapéu tapeado
Nesse zaina-malacara
Parecia que se apeava
O finado CHE GUEVARA!

Antes morresse de raio
De rodada ou garrotilho
Ou que planchasse correndo
Comigo sobre o lombilho
Ou então escramuçando
Como se fosse um potrilho!

Quando se foi meu cavalo
Se sumindo no sem-fim
Ficou um relincho timbrado
Por entre o céu e o capim
E m'ia alma comeu mio-mio
Pastando dentro de mim...

Coisa triste meu parceiro
O cimbronaço desse pealo
E pra embretar o silêncio
Que me sobrou de regalo
Até acordado eu escuto
O relincho do meu cavalo!!!

Não tenhas pena parceiro
Vendo a minha alma que chora
Guardei aquele relincho
No tinido das esporas
Pois eu já tive um cavalo
E pra sempre ele foi embora!!!!!!

Por isso quando abro o peito
Neste ofício sacrossanto
Bufa o silencio maneado
Que pasta a soga do pranto
E há um relincho de bagual
Em tudo aquilo que eu canto!!!!!!!!!!

GUERREIRO....GUERREIRO
QUANO ESCUTAVA UM CLARIM
SE APARTAVA DA MANADA
E SE APRESENTAVA PRA MIM
JÁ TIVE MUITOS CAVALOS
MAS NENHUM AMIGO ASSIM!!!!!!!!!

*Tema de JOÃO SAMPAIO & ELTON SALDANHA gravado por MANO LIMA.

"Todos os paises são dificeis de governar. Só o BRASIL é impossível!" MILLÔR FERNADES.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

CANÇÃO PARA NINAR...

...O SONHO DE UM GURI PESCADOR!


 A tadrde se estende calma
Como um trinar de ZORZAL
Vai nela um homem e um barco
Por entre o camalotal...

Um piá vai aprendendo
Magias de água e areia
Atirando iscas no rio
Ouvindo coplas alheias!

No rancho ficou sua mãe
Tricotando a solidão
Tecendo com um fio de voz
A teia deuma canção.

Todo o dia o guri sonha
Entre as águase o espinhel
Brincando na correnteza
Com um caique de papel.

A noite emponcha tristezas
A lua surge bem lá
Se espelhando nos remansos
Das águas do Paraná...

A mãe canta bem baixinho
Numa voz que tudo atrai
E ele se enxerga no sonho
Pescador igual o pai:

DORME MEU GURI COSTEIRO
DORME E SONHA MEU AMOR
O RIO CORRE MAS ESPERA
TEU ANZOL DE PESCADOR!!!

DORME MEU GURI COSTEIRO
DORME E SONHA MEU AMOR
UM DIA SERÁS IGUAL
AO TEU PAI...UM PESCADOR...
...............................................

* Tema de canção costeira de JOÃO SAMPAIO & DIEGO MULLER - musicado e gravado por VALDOMIRO MAICÁ.

 "Os homens de bem não constroem impérios apenas fornecem a argamassa."
MILLÔR FERNANDES.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

BRASINO PÊLO DE TIGRE






Tenho um perro cimarrón
Dos que peleia de pé
Brasino pêlo de tigre
Chamado de Bororé!

Maleva desde novinho
Se criou flor de campeiro
Com ele não tem de alçado
Que não venha pro saleiro!

Quando pega algum gavião
Se é grande deixa retaco
É o meu amadrinhador
Caso eu encilhe um velhaco!

Na zebuzada de cria
Só vendo esse companheiro
Enche a vaca de gambeta
Enquanto eu curo o terneiro!

Certa feita me salvou
Numa caçada campeira
Nem bem eu entrei no mato
Se atracou numa cruzeira!

Às vezes só no borralho
Parece que vai falar
Ganiça um recuerdo antigo
Com uma tristeza no olhar!

Quando me dá na veneta
Eu saio sem rumo certo
E caso vá nalgum bochincho
Meu Bororé só de esperto
Deita embaixo do meu mouro
E nem o Diabo chega perto!

Se ele também fosse peão
Taureando o destino ingrato
Defendia o seu puchero
E ganhava por três ou quatro!

Pois tem campeiro do povo
De pilcha nova e guaiaca
Bobo igual terneiro novo
Que acompanha trem por vaca!

No açude em frente da estância
Parece um quadro de outrora
Nadando bem na flor d’água
Com o fio do lombo de fora!

Quantas vezes arrisca a vida
Pra não me deixar solito
Um touro brabo no laço
Ele rasga a dente o maldito!

Reculuta nos vizinhos
Com garbo de antigamente
Parece um guerreiro gaucho
Marchando de sangue quente!

Não dispara de estampido
Chamigo de alma e fé
Brasino pêlo de tigre
Chamado de Bororé!

Nos dias de gineteada
Com um maula que corcoveia
Caso ele ameace ir na cerca
Sai pegando “nas oreia”
E já salta no meu costado
Se “rebentá” uma peleia!

*Tema de João Sampaio.

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"Fique frio - pra cada sonho que não se realiza há um pesadelo que também não."
MILLÔR FERNANDES.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Brasão maior...

...do Rio Grande!!!

(Estância Querência - Itaqui/RS)

Carrega ventos nas patas
Horizontes nas retinas
Guarda marés dos oceanos
... Deslizando pelas clinas.

Veio direto da Espanha
Pra onde hoje é SÃO DOMINGOS
Se espalhou no Continente
E no Rio Grande virou pingo.

Guarda a imponência monarca
Herdada lá das lonjuras
Mescla de llanos y chacos
Pampas...Cerros e planuras.

Foi MESTEÑO y CIMARRÓN
Foi bagual e foi MUSTANG
Hoje é o CAVALO CRIOULO
Com terra e pátria no sangue!

HOJE É O CAVALO CRIOULO
BRASÃO MAIOR DO RIO GRANDE!!

Nada melhor que um capincho
O lombo é uma rede na encilha
Ligeiro e doce de boca
Um rochedo na presilha!

Tem a coragem dos índios
A bravura dos farrapos
A destreza dos felinos
E a alma livre dos guapos.

Mantém na morfologia
Rusticidade e estampa
Parece um postal com vida
Noquadro verde da pampa!

Foi o trono do GAÚCHO
Sempre pronto para um upa
Levando a História no lombo
E o Rio Grande na garupa!!

LEVANDO A HISTÓRIA NO LOMBO
E A LIBERDADE NA GARUPA!!!!

ESSE É O CAVALO CRIOULO
BRASÃO MAIOR DESTA TERRA
IRMÃO GÊMEO DO GAÚCHO
PARCEIRO DE LIDA E GUERRA!!!!!!!!!!!!!!

* Tema de JOÃO SAMPAIO & ODENIR DOS SANTOS
Musicado e gravado por LUÍS CARDOSO
No CD de JOÃO SAMPAIO 40 MARCAS CAMPEIRAS DO PAÍS DA GAUCHADA - USA/DISCOS
(João Sampaio e Tarico Sanches, na Argentina - Corrientes)



"Às vezes sou desmancha-prazeres,mas só pelo gosto de arrumar de novo. Há os que perseguem as feras. E Há os que preferem acompanhar as pegadas pra ver de onde elas vieram."
MILLÔR FERNANDES.

O Índio que a gente conhecia...



O Índio que eu conheci...
(Rogério Villagran)

Existem pessoas que escrevem a sua historia com muito pouca coisa... Eu conheci um homem que escreveu a sua, apenas com um par de esporas de ginetear em pelo e uma rédea pescoceira!!!! Apenas isso!!! Ele era índio!!!! Os índios são exímios cavaleiros apenas saltando em pelo sobre o lombo do cavalo... E este índio que eu conheci era o melh...or de todos!!! Não sei de qual tribo ele era, mas sei que todas as outras “tribos” o idolatravam e admiravam... Muitos queriam ser índio que nem ele!!! Ser o índio que ele era, ter a mesma coragem, a mesma destreza, saber das manhas que só ele sabia... Ter, da mesma forma, o domínio que ele tinha sobre os seus objetivos, quando lentamente ele caminhava na direção do palanque onde lhe esperava, atado, mais um capitulo da sua estória, que ali continuaria sendo escrita!!! Um cavalo aporreado!!! Poderia ser qualquer um... Poderia ter qualquer pelagem... Desde que fosse muito veiaco!!! Que tivesse um nome que intimidasse... Que fosse desafiador... Que tivesse fama... Que fosse invicto...Que fosse uma topada dura...e alem disso tudo, que fosse muito veiaco!!!! Por que assim ele poderia dar continuidade a sua história... Gineteando!!!! Eu vi este índio ginetear... E agora vejo o quanto, foi importante aquele grito que eu dei, junto a tantos, que também gritaram na beira da cerca... Não froxa Indio!!!! Quando a mão do palanqueiro puxou a soga ali no seu pedido de “solta”... Muitos tombos, Muitísimos triunfos...isso tudo faz parte de uma história!!!! História de quem gineteava muito... Um homem muito de a cavalo...um ser humano perfeito!!!! Com todos os defeitos e todas as qualidades que todos nós, temos o direito ou obrigação de ter... Creio que isso sim, faz uma pessoa ser perfeita!!!! Eu lhe admirava muito, lhe tinha um carinho enorme... Era um índio amigaço!!! Um índio gaúcho!!! De poucas palavras, mas palavras verdadeiras... E, porém muito irreverente quando podia ser!!! Alguém que sei que tinha o mesmo respeito por mim... Sempre dizendo: Rogério, quando vier a Lages aparece la por casa pra tomar um mate!!! Sempre vou dar muito valor a sua imagem e a sua história, ainda mais porque sei, que ela foi escrita apenas com um par de esporas de ginetear em pelo e uma rédea pescoceira...isso é para poucos meus amigos!!!
IVAN RIBEIRO!!!! Este é o nome de quem falo...Todos lhe chamavam de ÍNDIO!!!! E hoje estou muito triste porque, á tardinha, quando eu estava julgando umas gineteadas aqui na minha terra, recebi a triste noticia de que o meu amigo INDIO havia morrido... Ficou aquela sensação de que estava faltando alguém por montar...aquela vontade de pedir para o narrador chamar mais uma vez...dizer: Índio!!! Ivan Ribeiro!!! Teu cavalo ta no palanque!!!! É muito triste saber que a vida, ou mesmo talvez o que chamamos de destino, mesmo tendo os seus motivos, não foram nem um pouco generosos achando-se no direito de escrever este capitulo tão doloroso, numa história que era tão linda... Não era pra ser assim!!!
Amanha vou pedir, que, por ti, um aporreado seja solto Índio... E vou dar a tua “nota” com o meu coração!!! Vou pedir pra Deus que te “saque” na garupa... E que Nossa Senhora Aparecida te entregue o maior de todos os prêmios!!!! O reconhecimento de todos que te queriam bem, que torciam por ti, que seriam capazes de fazer o mesmo que tu fizeste, onde querendo ser aquele que faz um costado, que amadrinha, que livra do tombo, que salva, perdeste a tua própria vida...Isso é ser um grande homem!! Valoroso!!! Destemido!!! O ginete Lageano!!!! Um dos homens mais cavaleiros que conheci!!! Uma grande perda!!! Te deixo aqui um grande abraço meu amigo!!!! Um grande abraço Índio!!!

Um grande abraço Ivan Ribeiro!!!

Que Deus o tenha junto dele!!!!

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Se foi num dia de novembro
Vestido de primavera
Ficaram garras e cordas
E uma gineta quimera
Seu nome os ventos repetem
Seu basto ficou tapera!

Pedimos para um Deus criollo
Que lhe dê como regalo
Um funeral ded cordeona
Com relinchos de cavalo!!!

(João Sampaio e Filipe Corso)

Nossa reverência poética
com Filipe Corso, ao grande ginete Ivan Ribeiro que se foi,
extensivo a toda a sua família, principalmente ao nosso parceiro de arte Edvan, também...
Índio Ribeiro!!!


"Enquanto houver alguém que lembre da gente a gente não morre. E quando ninguém mais lembrar,aí já não importa, pois é sinal de que estamos todos juntos." ANÔNIMO.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

DOS MANANCIAIS DO MEU CANTO...

(Wilson Paim, João Sampaio e Mano Lima)
Eu quero esta pampa livre
Sem estrangeiro de dono
Pra ver meus filhos brincando
... Na sombra dum cinamomo.

Gira...Gira catavento
Gira co'a gente também
Pra que o pão da nossa mesa
Vá pra quem o pão não tem.

Eu quero um canto crioulo
Desses de cantar com garra
Pra que os poderosos troquem
Seus arsenais por guitarras!

Eu canto pra quem trabalha
E levo esperança ao homem
Que vê sua piazada triste
Choramingando de fome.

Um dia o homem acorda
Do seu sonho irracional
E a terra será de todos
Sem latifúndio feudal!!

Eu quero a América inteira
Cantando o mesmo refrão
Pra ver meu povo feliz
Liberto da espoliação!!

VELHINHOS ESPERAM A MORTE
SOBRE AS JANELAS DAS CASAS DAS VILAS
TANTO QUE LUTARAM...TANTO TRABALHARAM
NADA AQUI ARRUMARAM EM DOMAS E ESQUILAS!!!!!

* Tema popular libertario de JOAO SAMPAIO & FELIPE P. ALEGRE.

* Eu nao tenho preconceito. Eu tenho gosto. Achei de pessimo gosto esse RODEIO DA NOSSA EXPOFEIRA DE ITAQUI . IMITACAO GROSSEIRA DOS DE BARRETOS(QUE JA E COPIA DOS DO TEXAS!!). QUE COISA FEIA UM GAUCHO COM BOTAS E CHAPEU DE COWBOY. PERGUNTO A QUEM PERPETROU ESSE ATENTADO CONTRA A NOSSA CULTURA?QUANDO QUE LEVARAM PARA BARRETOS A MUSICA E OS COSTUMES GAUCHOS?????? O PIOR COLONIALISMO E ESSE ! Diante de tanta ALIENACAO me lembro do grande patriota Jose Marti que dizia que UM POVO SO E DONO DO SEU DESTINO QUANDO TAMBEM E DONO DA SUA CULTURA!!!!!!!!!!!!!



"Uma roubalheira sem precedentes é apenas mais uma roubalheira antes ded uma roubalheira maior,sem precedentes."
MILLÔR FERNANDES.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

JOÃO SAMPAIO FALA EM ENTREVISTA AO JORNAL A NOTICIA...

COMO SURGIU A MÚSICA MISSIONEIRA?

A NOTÍCIA:Nota-se a sua sólida formação cultural,pelo rico conteúdo da sua poesia.Qualo incentivo que teve em torno dos livros,na sua juventude em Itaqui?

JOÃO SAMPAIO:Eu fui um guri extremamente tímido,ensimesmado e arredio. Meu pai tinha uma ótima biblioteca. Comprava tudo que saia.Tinha muito bom gosto. Quando eu descobri os mundos que estão dentro dos livros não parei mais de ler. Insconscientemente atendi ao pé da letra o repto do grande Mário Quintana o de que o verdadeiro analfabeto é aquele que sabendo ler não lê.Lá na estância do meu pai eu me refugiava numa velha carreta que estava com o cabeçalho apoiado na forquilha de um cinamomo e passava(recostado nos pelegos!) o dia lendo e desvendando novos mundos.Lembro da severidade com que fui repreendido,quando meu pai me pegou lendo(devorando ávidamente!) o Diário que o Che Guevara escreveu na Bolivia. Isso lá por 68/69 em plenos anos de chumbo,eu com dez anos o meu pai achava imprópria aquela leitura para mim. Aliás possuir aquele livro em casa era subversão. Outra festa foi quando eu descobri o MARTÍN FIERRO e o GRANDE SERTÃO:VEREDAS mexeu tanto comigo,me deixou tão excitado(apesar do estilo difícil)que eu não conseguia dormir e como não havia luz elétrica na estância,eu amanhecia lendo à luz de velas. Outras vezes lia na madrugada escondido,com uma lanterna de pilhas que eu tinha roubado previamente da minha mãe. Até hoje o hábito da leitura para mim é fisiológico.Isso é de família. Um primo meu de Uruguaiana,devorador de romances e novelas,estava lendo embevecido O TEMPO E O VENTO do nosso Érico Verissimo e quando chegou na parte que o CAPITÃO RODRIGO CAMBARÁ(um dos personagens mais carismáticos criados pelo Érico)morre o meu primo entrou em depressão chegando inclusive ao cúmulo de botar luto fechado. Como se tivesse perdido um amigo. O Érico soube do episódio e ficou tão encantado que escreveu-lhe uma carta carinhosa. Obedeço rigorosamente a máxima de Cícero "casa sem livros,corpo sem alma". Inclusive o melhor presente que eu posso ganhar é um livro,pois para mim quem te regala um livro está te elogiando,não é só um presente.
A NOTÍCIA:A poesia veio em primeiro e depois veio a composição musical e sempre com temas campeiros?

JOÃO SAMPAIO:Na verdade a poesia foi o refúgio que eu encontrei,para desensacar um universo campeiro que eu tinha arranchado dentro de mim. Com 14 anos fui estudar num internato do Colégio Mauá de Santa Cruz do Sul. Para um guri campeiro,que se criou na pampa ouvindo berros de touros,relinchos de potros e que teve como primeira música na infância,o tinido das rosetas das esporas do meu pai e da peonada,foi um verdadeiro choque cultural,o encontro com aquela alemoada. Gente com outros costumes,outros valores,um mundo tão diferente do meu de guri de fronteira,criado na garupa dos caiques que cruzavam o Uruguai num intercâmbio sem fronteiras. E foi assim,graças a saudade,que a poesia crioula entrou na minha vida para ficar. Tinha um professor de português em Santa Cruz do Sul,Guido Sefrin que me incentivou muito. Inclusive nos sábados eu fazia durante a aula dele,uma payada comentando as noticias da semana. Inspirado,mas não copiando,o que o Jayme Caetano Braun fazia na Rádio Guaíba acompanhado pelo Noel Guarany.

A NOTÍCIA:Voce sempre foi um estudioso sobre os temas que abraça ou isso veio mais tarde,no aprimoramento do seu trabalho?

JOÃO SAMPAIO:Eu sempre fui muito ávido pela nossa cultura. Era muito curioso e ia atrás. Deus me deu uma memória fotográfica. Aprendi espanhol sozinho,lendo,ouvindo e convivendo com los hermanos do garrão da América. Aprendi um pouco de guarani com o Noel Guarany,inclusive as suas armadilhas semânticas,prosódicas e fonéticas. É uma língua,ou um dialeto como querem os doutos e filológos,permeada e perfumada por uma aura de poesia telúrica. Como dizia Atahualpa Yupanqui,o patriarca do canto criollo "cuando se muere un cacique de mi raza es como se se incendiara toda una biblioteca.!"
Nessa área me atrevi a escrever um livro,com um título pretensiosamente nerudiano chamado VINTE E SEIS POEMAS GUARANIS & CINCO CANÇÕES DE RIO editado pelo IEL(INstituto Estadual do Livro)com parecer altamente elogioso e favorável do grande Sergio Faraco. Nessa obra eu resgato a simplicidade, a magia e a inocência das lendas e também da urdidura complexa das crendices e superstições que são o espelho da alma guarani e missioneira,pesquisados por nós no Brasil,na Argentina e no Paraguai. Isso abrange desde as lendas etiológicas da fauna e da flora,até as canções de ninar,a sabedoria aborígene,os mitos guaranis e uma mágica e inventiva versão índia do Dilúvio,com o respectivo Noé bugre e toda a bicharada da Arca.Estou sempre pesquisando a arte crioula,e sem xenofobia estudo toda a geografia do gauchismo,que não é só o Rio Grande,como querem,em sua estreiteza sociológica,antropológica e histórica os CTGs e o Movimento Oficial Gaúcho.


A NOTÍCIA:A crítica o considera uma das maiores expressões no estilo payador.Como começou isso e quais as influências que teve nessa área?

JOÃO SAMPAIO:Quando eu(ainda muito guri) comecei a militar na arte pampeana,eu me guiava por dois sinais luminosos na poesia:Aureliano de Figueiredo Pinto e Jayme Caetano Braun. Influenciado pela exuberância do Jayme comecei a praticar a dificil arte da payada.Muitas vezes,nas pulperias costeiras dos dois lados do Uruguai,ficavámos hasta que despuntase el alba guitarreando e payando de contrapunto eu e o Noel Guarany,que morava em Itaqui,meu maestro e também meu querido irmão espiritual que até hoje me faz muita falta. Para mim e para a verdadeira arte missioneira. Eram payadas inocentes,onde vergastavámos a ditadura da época e denunciavámos as injustiças sociais de maneira veemente e reverenciavámos as coisas eternas da condição humana. Hoje ainda improviso se for preciso. Mas gosto mesmo é de escrever. E quando estou deprimido não procuro analistas,pratico VERSOTERAPIA e me curo com o meu canto pampeano que um Tupã gaucho y misionero me alcançou de regalo.

A NOTÍCIA:Voce foi parceiro do Noel Guarany num elogiado LP. Com quais músicas?Fale sobre isso.

JOÃO SAMPAIO:Na verdade quem me descobriu para a música foi o Noel Guarany e além de me ensinar tanta coisa,ainda tive a honra de ser,juntamente com Jayme Caetano Braun(que na sua última aparição pública me indicou como seu sucessor!) e Aureliano de Figueiredo Pinto o letrista mais gravado pelo Noel.
Nas Missões a música sempre foi muito importante. Se cantava para tudo:para trabalhar,para festejar,para louvar o nosso Tupã guarani,para guerrear e também para prantear e enterrar os nossos mortos. O lendário Padre Antonio Sepp,formou milhares de músicos,virtuoses que tocavam com a notação musical mais avançada da época. Depois da expulsão dos jesuítas e do traslado dos índios,para o outro lado do rio aconteceu(com a chegada dos imigrantes gringos e outros fatores sócio-econômicos) uma certa "desaceleração" nessa musicalidade. Mais contemporâneamente,sobraram músicos espontâneos como o Cabo Laranjeira, o Reduzino Malaquias , o Chico Guedes e muitos outros,que,a duras penas,mantiveram galhardamente esse tesouro musical,lutando para não se contaminar com imitações dos Bertussi(que nada tinha e nada tem a ver conosco!) e de duplas sertanejas com temáticas postiças e artificiais,que não contextualizavam o canto da nossa terra e do nosso povo. E foi aí que surgiu a genialidade de Noel Guarany,que andou com sua guitarra mágica peregrinando pela América e miscigenou sonoridades remanescentes do antigo cancioneiro missioneiro guarani,com timbres platinos,uruguaios,argentinos e paraguaios. Disso tudo o Noel fermentou o bolo musical que hoje é conhecido como música missioneira. O Noel Guarany,foi,como diria Brecht,um homem imprescíndivel para o tempo em que viveu. Foi um pioneiro e um precursor único. Foi o primeiro a gravar uma chamarrita(que aqui era só dança coreográfica!),foi o primeiro a gravar uma cifra(ritmo do qual originou-se a milonga!)foi o primeiro a falar em bailanta,pulperia e também o primeiro a gravar um rasguido doble. E além disso fez escola. Atrás do rastro encantado deixado por ele,vieram o Pedro Ortaça e o Cenair Maicá,que cantavam outro gênero de música e se encontraram na picada aberta pelo Noel.O Noel foi tão importante que ,além de dotar a música gaúcha de uma face índia,que ela não tinha,abriu ainda para o grande Jayme Caetano Braun uma janela de latino-americanidade,livrando com isso o Jayme,daquela ortodoxia cetegeana e conservadora que ele tinha no início.Para mim,estudioso comprometido com a verdade,Noel Guarany é o verdadeiro marco divisório da música gaúcha. Surgiu com qualidade vocal,melodócia e temática muito antes da Califórnia e congêneres. Tinha carisma e estilo próprio e cantava com grande dignidade. Além do herdeiro espiritual por ele escolhido que é o Jorge Guedes,deixou inúmeros seguidores de sua escola como Luiz Marenco,Lisandro Amaral e muitos outros.Sua música tem uma estranha e mágica fosforêscencia é o pajé bugre da musicalidade missioneira. O Rio Grande tem uma dívida impagável para com o Noel Guarany.

A NOTÍCIA: Quais seus outros parceiros musicais?

JOÃO SAMPAIO: Ao longo do tempo,depois de ser descoberto pelo Noel,fui sendo procurado pela maioria dos cantores e compositores da muscicalidade contemporânea do Rio Grande do Sul. São muito poucos os artistas que militam na nossa música que até hoje não gravaram algo nosso.

A NOTÍCIA: CANTO AO CAVALO CRIOULO é uma homenagem à montaria do gaúcho. Como se inspirou nisso?

JOÃO SAMPAIO: CANTO AO CAVALO CRIOULO,foi escrito quando eu era ainda um guri. Lá por 1977 e só foi editado em 1982,pelo abnegado operário da nossa cultura,que foi o Martins Livreiro.
O opúsculo foi prefaciado pelo Noel Guarany e pelo Jayme Cateano Braun. Eu ainda moro no campo,tenho uma estanciola localizada na Coxilha do Rincão da Cruz,Centro Geográfico do município de Itaqui e estou permanentemente em contato com o campo,com o homem do campo e com os motivos que são a matéria-prima que endulza con su miel a nossa arte.

A NOTÍCIA: Quais os livros de poemas já lançados? Algum novo à vista?

JOÃO SAMPAIO:Tenho quase duas dezenas de livros editados. Na área da poesia crioula bilingue,do anedotário,do folclore e da cultura afro-ameríndia. Inclusive um chamado CANTOS DE TABA & SENZALA,editado na Argentina, e que juntamente com o meu compadre Jorge Guedes pretendemos transformar num CD,um projeto audacioso que resgata a musicalidade e a contribuição cultural da raça negra e do índio,ambos tão vilipendiados ao longo dos séculos. A raça negra se emancipou socialmente mas o índio(o precursor do gaúcho!) continua sendo tratado como um ser exótico. Como se estivesse num zoológico.

A NOTÍCIA:Quais as premiações que destacaria na na sua carreira?

JOÃO SAMPAIO:Já fomos premiados em vários eventos e em pencas festivaleiras,mas o maior prêmio é ser ouvido,lido,consumido pelo nosso povo e assim ajudar a fazer a manutenção e a preservação do patrimônio cultural da nossa terra e da nossa identidade sociológica. Também coinsidero prêmio a edição desse livro sobre os guaranis pelo IEL(Instituto Estadual do Livro)e também ter textos publicados na Argentina,no Uruguai,no Paraguai,poemas traduzidos no Japão e letras gravadas na Europa(Suiça) e nos Estados Unidos.

A NOTÍCIA: TOURO FUMAÇA, um dos seus maiores sucessos,na voz do Mano Lima,é uma música bonita e triste ao mesmo tempo,muito valorizada na sua obra. O que o inspirou mesmo?

JOÃO SAMPAIO: TOURO FUMAÇA que se popularizou na interpretação do meu compadre Mano Lima,é o relato de uma tragédia rural que eu ouví lá nos longínquos galpões da infância e que resolvi transformar num pequeno CONTO CRIOULO RIMADO,inovação que estamos lançando no nosso novo CD DUPLO(USA/DISCOS) chamado 40 MARCAS CAMPEIRAS DO PAÍS DA GAUCHADA. Inclusive um desses contos do CD(são sete!) impressionou muito o Sergio Faraco,nosso contista maior,que inspirado nele,pretende nos brindar com mais um dos seus contos magistrais e antológicos.

A NOTÍCIA: Algo a dizer sobre São Luiz Gonzaga e as Missões,terra de Noel,Ortaça,Guedes ,Jayme Braun e de tantos amigos?

JOÃO SAMPAIO: São Luiz Gonzaga é o meu segundo rincão. Tenho tantas vinculações com esse povo e essa terra. Estou em perfeita sintonia com a energia que emana e paira sobre essa lendária redução jesuitica e cada vez que a visito me sinto habitado pela mesma força cósmica que deixaram os pajés e os duendes missioneiros. Em São Luiz fiz e tenho tantos amigos queridos,pessoas raras como o Pedro Ortaça e família,querido irmão de ideário artístico,um grande artista popular. Meu compadre Jorge Guedes e família,que tem clarinadas na voz e um cacique guarani arranchado no coração;meu compadre Xirú Missioneiro dentro da sua singeleza um grande representante das Missões;meu amigo Nenê Guedes e família outro missioneiro que honra o chão em que pisa;os amigos da Casa do Poeta na pessoa da Vãnia Coimbra,a lembrança querida ,amiga e fraterna do Zizi(José Luiz da Cunha Pacheco),do Nélio Lopes e de tantos outros queridos amigos que nos fazem melhores do que realmente somos.
São Luiz é o Distrito Federal das Missões. A Capital Nacional do Folclore Missioneiro e o meu segundo lar.

Deixo um recado de amigo
Pra quem sofre e se maldiz
Se na tua terra parceiro
Te virarem o nariz
Arruma as malas na hora
E vem de muda pra São LUIZ!!!

* Entrevista que foi publicada no jornal A NOTÍCIA
nos dias 22/23 & 26 de outubro de 2011.

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"O CORRUPTO é um animal extremamente parecido com um NÃO CORRUPTO. Mas esta espécie está quase extinta por ser fácil de capturar. Está bem. Deus é brasileiro. Mas para defender o Brasil de TANTA CORRUPÇÃO só colocando Deus no gol."
MILLÔR FERNANDES.
 

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Licença peço senhores...


 
PARA UM ÍNDIO

Peço licença senhores
O assunto é triste demais
Relatar sem iniciais
... Isso cabe aos payadores
Sem dar nem pedir favores
Para hastearem a verdade
Pois ao pintar a realidade
No altar de algum galpão
Se abre todo o coração
Para entrar na eternidade.

Nos anais xucros da História
Há de ficar meu pensamento
Cheio de luz dos momentos
Imperecíveis de glória
Retraçando a trajetória
Do passado e do presente
Por isso eu canto reverente
Neste galpão enfumaçado
O velho chão colorado
E as coisas da minha gente!

Neste rincão onde estou
Sob o teto dos pinhais
Sinto eflúvios ancestrais
De um tempo que não passou
Hordas do meu tetravô
Como pedindo um retruco
Estampidos de trabucos
Com ameríndia coragem
Fugindo da vasalagem
De gringos e mamelucos.

Que será que sentes tu?
Nessas festanças burlescas
Palhaçadas gauchescas
De gauchescos xirus
Igual a bando de ÑANDÚS
Correndo de alma convulsa
O coração da terra pulsa
Nossos valores indianos
E esses fiascos CETEGEANOS
Hão de causar-te repulsa!!!

*Tema de JOÃO SAMPAIO & NOEL GUARANY musicado por EDILBERTO BERGAMO


"Um grande artista é um grande homem numa grande criança."
VICTOR HUGO.

40 MARCAS CAMPEIRAS DO PAÍS DA GAUCHADA

LANÇAMENTO :
NOVA COLETÂNEA DA USA/DISCOS COM OBRAS DE JOÃO SAMPAIO
Músicas, Poemas & Contos Crioulos Rimados


O poeta João Sampaio, gestor de tantas e tão fecundas produções (já ultrapassou a significativa marca de mais de mil obras gravadas) é realmente um dos mais férteis disseminadores culturais da Pátria Gaúcha.

Além de vários livros e CD’s autorais agora está chegando no mercado fonográfico uma nova coletânea de sua obra, grande parte inédita até então.

Trata-se do CD duplo 40 MARCAS CAMPEIRAS DO PAÍS DA GAUCHADA lançamento da gravadora USA/DISCOS que em breve estará disponível em todas as lojas do ramo, principalmente nas grandes redes de supermercado NACIONAL & BIG.

O CD 01 QUERÊNCIA III, além de regravações de clássicos como ENTRANDO NO BORORÉ ao vivo (com a famosa dupla Oswaldir & Carlos Magrão), BICA MEU GALO (com José Cláudio Machado), GINETE & PEALADOR (com Jorge Guedes), PESCADOR (com Aníbal Sampayo & Jorge Guedes), TOURO PINTADO (com João Luiz Corrêa ao vivo) tem ainda canções inéditas interpretadas por Érlon Péricles, João Quintana Vieira & Grupo Parceria, Juliano Moreno, Edson Backes, Xirú Missioneiro, José Pedro da Rosa Lima, Pedro Motta (recentemente falecido), Joãozinho Missioneiro, Luis Cardoso, Mano Lima e o jovem Victor Salgueiro promissora revelação dos festivais.


Já no CD 02 de poemas DE TOROS... POTROS Y HOMBRES, além da costumeira e festejada competência de João Sampaio em escrever sobre qualquer temática que se refira ao cosmo e ao macro cosmo humano em qualquer parte do mundo mais uma vez o poeta itaquiense inova e surpreende, registrando fonograficamente por vez primeira quase uma dezena de contos crioulos rimados interpretados por ele mesmo e por irmãos espirituais como Pedro Júnior da Fontoura, Mano Lima, José Cláudio Machado, João Luiz Corrêa, Gentil Félix Da Silva Neto, Caray Guedes.

Também participam desse CD 02 recitando Rodrigo Bauer, Jorge Guedes, Xirú Missioneiro, Nélio Lopes & Rubem Paz.

Além de uma participação especial do grande chargista Santiago, essa coletânea tem a apresentação do Dr. Afif Simões Neto (Juiz de Direito e cronista filho do grande poeta Afif Simões) e depoimentos sobre o autor e sua vasta obra assinados por gente do porte artístico e humano do Sérgio Faraco (o maior contista vivo do Brasil), Rodrigo Bauer, Clemar Dias, Juremir Machado da Silva, Lisandro Amaral, Landro Oviedo, João de Almeida Neto, Luiz Marenco, Iberê Athayde Teixeira, Martim César Gonçalves, Pedro Júnior da Fontoura, Juarez Machado de Farias, Oracy Dornelles, Paulo César Limas, José Renê Rossi, Érlon Péricles, César Oliveira, Aníbal Sampayo, Zeno Cardoso Nunes, Antônio Augusto Fagundes, Cândido Adalberto Brasil e Amaury Beltrão de Castro.


(Marca da Estância Querência - De João Sampaio - após una yerra)

"Os que encontram significados perversos nas coisas belas,são corruptos sem serem agradáveis. E isso é um defeito."
OSCAR WILDE.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

CAIQUE DE SONHOS...

Como eu queria
Tranplantar a minha mágoa
Pra uma humilde poça d'agua
... Onde a lua vem se apear.
Bombeio longe
E nos meus sonhos supremos
Vejo um caique sem remos
No rio desse teu olhar...

Eu canto e sonho
Com um jeito de menino
Que embretou o seu destino
Nalgum potreiro da infância.
Por isso às vezes
Minha alma bugra entra em cio
E vira canção de rio
Sonorizando à distância!

COMO ESTRELA PIRAGUEIRA
VOGANDO POR RIOS TRISTONHOS
VAI UMA CANÇÃO BALSEIRA
NO CAIQUE DOS TEUS SONHOS!!

Sou rio tranquilo
Estrada...Caminhos.Rastros
Do lume eterno dos astros
Na quincha da madrugada.
Isco os meus sonhos
No clarão do amanhecer
E jamais hei de correr
Atrás de uma estrela apagada!

Por isso,minha linda
Quando a noite cai em mim
Se acende lá no confim
Uma nova estrela a brilhar.
E o rio que corre
Nos teus olhos...Ave matreira
Se transforma em cachoeira
E faz o caique virar...
....................................

* Tema de rio de JOÃO SAMPAIO,musicado e gravado por JORGE GUEDES. Gravado também como poema por PEDRO JÚNIOR DA FONTOURA.


"Os homens envelhecem,mas não melhoram. O que é verdadeiro na arte é verdadeiro na vida."
OSCAR WILDE.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Desvios CTGianos...


PRA FAZER PÁTRIA DE NOVO
(Diego Müller & João Sampaio) 

Trago um sonido disperso
E um crioulo resplendor,
Nasci gaucho e payador
No galpão grande do verso...
A pampa é o meu universo,
Meu brasão a liberdade,
Mantenho pura a identidade
E carrego fundo no miolo
Tudo que um avô crioulo
Me deixou de eternidade!

Por isso tenho no canto
Laço, flecha e arcabuz,
Remansos de salmo e luz,
Canção guerreira e acalanto...
Contra o modismo me levanto,
Aponto desvios cetegianos
Que circenses e profanos
Inventam decretos tenebrosos
Com movimentos mentirosos
Que ofendem os brios pampeanos! 

Assim enfrento sereno
Os mercenários da cultura
Que se acham de grande altura
Mas na verdade são pequenos,
Jujos ruins passam por buenos
Pra grande massa povoeira,
Roubam pesquisas inteiras
E assinam com o próprio nome...
São abigeatários com fome
E corvos da arte campeira!

Pátria é este chão onde estou,
Minha vida é a realidade
Com a mesma intensidade
Que eu herdei daquele avô...
Meu canto se enraizou
Como um palanque na memória
Sem brilho de lata, ou glória
De falsos tchês fantasiados
E cantores alienados
Cuspindo na nossa História!!!


O meu canto é flecha e alma,
Espelho de terra e de povo...
De pé no estribo e lança afiada
Pra fazer pátria de novo!!!

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A imaterialidade da coisa

(Tau Golin - jornalista e historiador)

 
Algo assustador vem ocorrendo gradativamente no Rio Grande do Sul. Um movimento de pressão política e cultural está em vias de subverter completamente o princípio do patrimônio imaterial. A primeira cena dessa burla ocorreu no gabinete do prefeito José Fortunati, quando foi apresentado o processo para “tombar o tradicionalismo e suas manifestações como Patrimônio Imaterial”, conforme notícia do Conselho Municipal de Cultura de Porto Alegre. O Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) investe-se de elemento dessa aberração.
Por óbvio, se poderia considerar “patrimônio imaterial” manifestações culturais, mas não a “entidade” que as promove. Considerar o tradicionalismo, que é uma sociedade privada, organizada na sociedade civil, como “patrimônio imaterial” seria a mesma coisa que reconhecer o Grêmio ou o Internacional como únicas manifestações genuínas e autênticas do futebol. Certamente, se um clube sumir, isso não afetará a existência do esporte.
O tradicionalismo é um movimento cívico-cultural organizado em rede, de forma associativa, e de caráter de massa, articulado pela indústria cultural e diversos interesses comerciais, políticos etc., que, além de milhares de posturas sinceras, especulam com hábitos, costumes e elementos da tradição. Não existe imaterialidade no tradicionalismo. Duvidosamente, a imaterialidade poderia ser encontrada em algumas manifestações utilizadas pelo movimento, entretanto reinterpretadas, agregadas por sentidos contemporâneos, sem sustentação metodológica. Portanto, ainda assim, de forçosa “imaterialidade”.
A seleção, a reinterpretação, a reorganização, e o novo sentido agregado, adequado aos interesses do movimento, retiram a sua “imaterialidade”. O motivo: não é mais autêntico; foi tradicionalizada.
Desde os anos 1940, o tradicionalismo vem privatizando uma série de manifestações culturais, hábitos e costumes rio-grandenses. Muitos existiam isolados em regiões remotas. Da tradição foram retirados e reelaborados em uma engrenagem de rede. Um eficiente marketing e práticas de adestramento comportamental encarregaram-se de “educar” os contingentes como se pertencessem a todos os grupos humanos. E o que é pior: como se o RS tivesse um único gentílico formatador gauchesco.
Praticamente todas as manifestações adotadas pelo tradicionalismo já existiam antes do seu aparecimento como entidade privada. Se o tradicionalismo, por sua vez, desaparecer, as realmente importantes continuarão existindo. Patrimônio imaterial é o mate (legado indígena), a culinária, determinadas músicas e danças regionais etc., e não o tradicionalismo.
Com o sucesso de se transformar em “patrimônio imaterial”, o tradicionalismo chegou ao extremo de sua usurpação da riqueza cultural regional. Ele se converte em “único”, “legítimo” portador dos eventos da identidade. Ele passou a ser o próprio fenômeno. Parece evidente que esta nova expropriação não resiste à História e ao contrato republicano da sociedade contemporânea. A imanência tradicionalista o conduziu à crença de que ele é, em essência, a coisa...
Nessa lógica, a “cidadania” ainda será acusada de crime contra o patrimônio se realizar qualquer crítica a um tradicionalista (em essência, a coisa imaterial), protestar contra seus hábitos de estercar as cidades nos meses de setembro; espancar animais nos rodeios; ou o poder público ficará impossibilitado de realizar alguma reforma urbana porque em determinado lugar existe um galpão com uma placa tosca na fachada escrito CTG, cujas atividades são de duvidoso interesse público.
Passando à imaterialidade, só falta agora o tradicionalismo almejar ser o espírito do rio-grandense.
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"Infelizmente hoje ler um livro parece, para alguns, significar "folclorista"... instruir um grupo de danças significa "professor"... usar uma bombacha significa "gaúcho"... Comprar um cavalo significa "campeiro"... ser conselheiro de um "movimento" - estanque e ditador - significa "mantenedor da cultura"... e tudo isso chama de "tradicionalismo"! Meus pesar, pois não é esta a visão que pregaram e que idealizaram da coisa. E longe disso é o que passarei adiante com o pouco que tenho a ensinar. A vaidade e a cobiça "material" em cima do imaterial prevalece, usando nomes de grandes para ganhar espaços temporários ena grandeza de um mundo silmples e sem complexidade... um mundo de terra e alma. Os criadores do movimento - verdadeiro - merecem mais respeito... e o homem rural não se vê nos olhos dessa gente, dita "gaúcha"!!! ... felizmente!!!"
(Diego Müller)
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"Tenho visto surgir, por vezes, "mecenas crioulos" que não sabem "o sol que anuncia a seca", "o pasto que faz mal", que "ovelha não é pra mato", deitando regras sobre a criação! Tem gente que só enxerga como culatra de carreta. Não adianta... Isto é folclore de campanha, mas não é para recavem acomodado em cadeira de veludo, sem identidade rurícula, cujo filosofar só parece em tripa de linguiça: ...cheia de ar! O melhor mesmo é abrir a porteira e deixar sair campo afora, de cola erguida, e que se percam sozinhos pelo pampa, engolidos por algum barrocal. Este movimento é irreversivel, vem de baixo para cima... da alma nativa do povo. Não agüenta tampão deste ou daquele pretenso bostejador sapiente!"
 (João Carlos Paixão Côrtes)

É verdade Companheiro
Te digo sem heresia,
Tem tanto joelheiro falso
Vendendo quinquilharia...
Gente que em cultura gaúcha
Só empurra pirataria,
Não estuda e não pesquisa
Sempre envolta em fantasia...
Meus louvores ao Paixão Côrtes
Orgulho, da nossa cria,
Que não pactua com esses venais
Que sofrem de egolatria
E cavalo só conhecem
Através de fotografia!
E como tem no nosso meio artístico empulhador e bobo alegre travestido de centauro descartável.
O Mestre Paixão é realmente um monumento vivo!
(José João Smapaio da Silva)

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Música missioneira...


Noel Guarany!!!

 



PROCURA-SE...

Procura-se um meio de mobilizar as massas para aprenderem a compeender a mensagem do amor, do ódio e de fraternidade, de quem com seu humilde instrumento musical anda a clamar. - amor pela terra, para que a tratem bem. - Odió para aqueles que desrespeitosamente desprezam as humildes mas sinceras manifestações líricas da poesia voltada ao terrunho. - Freternidade para aqueles que, feudalisticamente, às custas da política, quiseram nos dividir... Mas tudo foi infrutífero, porque jamais irão estancar a cultura das nossas fronteiras. Somente com a vontade maquiavélica dos colonizadores culturais, que, desrespeitosamente buscam descaracterizá-la. Mas nós, os payadores da américa, com a guitarra na mão, não deixamos sucumbir, pois a soma traduz seis letras importantissimas: PÁTRIA! "...Assim queremos a pátria, andar por trilhas singelas. Pátria não é sociedade, são ânsias verde-amarelas. Queremo-la una e liberta, sem bichos e sem mazelas!"
Carinhosamente, NOEL GUARANY!

Noel Guarany
(Bossoroca, 26 de dezembro de 1941 - Santa Maria, 6 de outubro de 1998)
 
 
 
 
"Eu não sou cantor mitológico, eu existo. Eu vivo pelas pulperías. Eu não canto no Maracanãzinho por 50 milhões de dólares. Me sobre o puchero, e por ai vou andando — com minhas opiniões, claro! Eu não tenho compromisso com doutores, MTGs, governadores, deputados... Eu estou descrevendo uma realidade nua e crua. Claro que vai doer em alguém, mas vai servir de alento para muitas almas sofredoras que como eu andam por aí vendo essas barbaridades. Eu não quero ser artista, nem coisa nenhuma."
(Noel Guarany)
 
 
Perguntem no Rio Grande do Sul por Noel Guarany (1941-1998), autor dessas palavras — proferidas num show realizado no final dos anos 70 , e a resposta, muito provavelmente, virá em tom de reverência. Afinal, estamos falando de um dos maiores nomes da cultura popular do estado, um dos quatro troncos missioneiros.
Cenário da epopéia da primeira república rio-grandense — a Guarani -, berço da história do estado, a área dos Sete Povos das Missões abriga uma tradição combativa e libertária análoga — para citar um exemplo — à de Ouro Preto, em Minas Gerais. Num lugar como noutro, está ainda presente até no ar que se respira o inconformismo diante da derrota de rebeliões contra o colonialismo.
Nascido em Bossoroca — à época distrito de São Luiz Gonzaga -, Noel aprendeu cedo a orgulhar-se desta herança. Este orgulho inscreveria no próprio nome, numa demonstração de sua escolha sobre de que lado iria ficar durante a vida: nascido Noel Borges do Canto Fabrício da Silva, poderia exibir o sobrenome de José Borges do Canto, comandante das tropas portuguesas que conquistaram em definitivo o território missioneiro. Mas preferiu evocar a porção de sangue índio que levava nas veias e chamar-se Noel Guarany.
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Noel Guarany era descendente de italianos e índios guaranis, e nasceu em 26 de dezembro de 1941, na Bossoroca, então um distrito de São Luiz Gonzaga, Rio Grande do Sul.
Na adolescência, aprendeu, de maneira autodidata, o idioma guarani, bem como a compor, tocar e cantar.
Na década de 1960 percorreu diversos países latino-americanos, onde colheu diversos ensinamentos que utilizou como subsídio para criação de suas músicas durante toda a sua futura carreira.
No final da década, apresentou alguns programas radiofônicos nas rádios de Cerro Largo e São Luiz Gonzaga, bem como nas rádios Gaúcha e Guaíba de Porto Alegre, RS.
Em 1970, lançou, em conjunto com Cenair Maicá, com o qual vinha se apresentando pelo Rio Grande do Sul e em festivais na Argentina, um compacto simples, com as músicas Filosofia de Gaudério e Romance do Pala Velho.
No ano seguinte, grava o seu primeiro LP, Legendas Missioneiras, pela gravadora RGE, que traz, entre outras, parcerias com Jayme Caetano Braun, Glênio Fagundes e Aureliano de Figueiredo Pinto. Neste disco, além das músicas constantes do compacto anterior, estão presentes outras pérolas de seu repertório, como Fandango na Fronteira, Gaudério e Eu e o Rio.
Em 1973 sai Destino Missioneiro, pela gravadora Phonogram/Sinter, no qual repete algumas das parcerias do disco anterior, bem como traz composições próprias e de Barbosa Lessa e uma parceria com Aparício Silva Rillo. Neste disco, estão presentes grandes músicas como Destino Missioneiro e Destino de Peão. Nesta época, ainda em tempos da ditadura militar, passa a ser perseguido em alguns shows devido a suas convicções democráticas e libertárias, conforme registra ao vivo nesse álbum.

Seu terceiro LP é Sem Fronteiras, lançado em 1975 pela EMI/Odeon, que está repleto de músicas que acabaram se tornando clássicos do cancioneiro gaúcho, como Romance do Pala Velho, Potro Sem Dono (de Paulo Portela Fagundes), Filosofia de Gaudério, Balseiros do Rio Uruguai (de Barbosa Lessa), Décima do Potro Baio e Chamarrita sem Fronteira (as duas últimas, temas missioneiros recolhidos e adaptados por Noel Guarany), entre outras.
No ano de 1976, Noel Guarany grava em parceria com Jayme Caetano Braun, de maneira independente, o LP Payador, Pampa, Guitarra. Gravado parte na Argentina e parte em São Paulo, o disco conta com a participação de grandes músicos argentinos.
Em 1977 a RGE relança o disco Legendas Missioneiras, de 1971, com o título de Canto da Fronteira.
Em 1978 sai o LP Noel Guarany Canta Aureliano de Figueiredo Pinto, pela RGE, que resgata a obra e a memória de um dos grandes poetas do regionalismo gaúcho.

No ano seguinte, sai o disco De Pulperias, ainda pela gravadora RGE. Constam deste disco as músicas En el rancho y la cambicha, Rio de Los Pajaros e Milonga del peón de campo, de Mario Millan Medina, Anibal Sampayo e Atahualpa Yupanqui, respectivamente.
Em 1980 sai Alma, Garra e Melodia, em que se destacam as músicas Maneco Queixo de Ferro e Índia cruda. Neste mesmo ano ocorre o show no Cinema Glória, na cidade de Santa Maria, que mais tarde, em 2003, viria a se tornar o disco Destino Missioneiro - Show Inédito.
No ano de 1982, é lançado o LP Para o Que Olha Sem Ver, pela RGE, título que remete à música Para el que mira sin ver de autoria do cantor e poeta argentino Atahualpa Yupanqui (presente também na composição Los ejes de mi carreta). Além das citadas, estão presentes as músicas Boi Preto, Na Baixada do Manduca e Adeus Morena, músicas de inspiração folclórica. De se destacar, também, quatro composições de João Sampaio.
Neste ponto, Noel Guarany, já com os primeiros sintomas da doença, começou a afastar-se dos palcos, e acabou redigindo uma carta aberta à imprensa, na qual reclama do tratamento recebido pela gravadora.
Em 1985 retira-se definitivamente dos palcos, em cumprimento ao prometido na carta de 1983.
No ano de 1988, em conjunto com Jorge Guedes (úncio herdeiro de sua autenticidade e musicalidade) e João Máximo, lança o disco A Volta do Missioneiro. E a posterior, juntamente com Pedro Ortaça, Cenair Maicá e Jayme caetano Braun, lançam Troncos Missioneiros.
Nos próximos 10 anos, o grande gaúcho, cada vez mais debilitado por uma doença degenerativa no cérebro, permaneceu recolhido em seu sítio na localidade de Vila Santos, no município de Santa Maria.
Morreu no dia 6 de outubro de 1998, na Casa de Saúde de Santa Maria, tendo sido enterrado em Bossoroca, sua terra natal.
 
 
PEREGRINO DOS CAMINHOS
Ainda adolescente, aprendeu, sem professor, o idioma guarani e o manejo do violão. "Eu saía a percorrer estância por estância. Nessa época não havia televisão, apenas alguns rádios e tal era a alegria do povo, com a minha chegada, que logo carneavam uma vaca e largavam um "próprio" (mensageiro) à vizinhança, avisar que eu havia chegado, que viessem conhecer o violonista e já estava formado o baile. Aí eu amanhecia tocando para o povo dançar" — recorda em um depoimento reproduzido no sitio que o professor Cláudio Augusto Probst organizou em sua homenagem (www.probst.pro.br). Nesta época, no entanto, "não estava ainda definida a música missioneira", como salienta Noel no mesmo depoimento.
Aos 19 anos, foi servir o Exército no 3º Regimento de Cavalaria, em São Luiz Gonzaga. Ali, presenciou a conduta desonrada de altos oficiais, o que foi para ele um choque. "Não podia acreditar que militares graduados também roubassem. Aprendi mais tarde que o roubo e a corrupção foram os maiores amigos das ditaduras militares" — recordaria já maduro.
A decisão de abandonar a caserna foi capital para que Noel Fabrício pudesse se tornar Noel Guarany. Uma vez concretizada, ele cruzou a fronteira da Argentina. Radicou-se na província de Corrientes, onde trabalhou como lenhador e balseiro. Durante a década de 1960, andou pela também província de Misiones, assim como pelo Paraguai, Uruguai, Mato Grosso e Bolívia. Peregrino dos caminhos / no rumo dos horizontes,/ matando a sede da terra,/ vivendo a sede de andar, cantaria depois em Eu e o Rio, composta em parceria com Glênio Fagundes.
Convivendo e compartilhando o duro cotidiano com a gente simples do povo de todos esses lugares (ervateiros, balseiros, índios), Noel observou sua linguagem, sua musicalidade e suas formas de expressão. Retratou a vida dessas pessoas em canções como Lavadeira do Uruguai, composta em parceria com João Sampaio da Silva:
 
 
Ajoelhada junto ao rio,
a cantar com a correnteza,
lavando suores profanos
dos ricos da redondeza,
vê o lombo do dourado
que falta na sua mesa.
"CANTAR MINHA TERRA"!!!
 
 
 
 
"Parecia-me um castigo quando nos rancherios mais humildes, fosse do país que fosse, com olhar sincero de patriotismo, um campesino, mesmo abandonado, pelos governos e instituições, dizia ao empunhar qualquer instrumento: "vou cantar uma canção de minha terra" — recordaria, lembrando o contraste entre os níveis de consciência nos países vizinhos e no Brasil. "Era um verdadeiro absurdo falar em arte missioneira naquela época" — diz em outra entrevista reproduzida no sitio de Probst, em que afirma, sem nenhuma modéstia, mas de posse da verdade, que teve que incutir na cabeça de intelectuais este conceito.
Naquele tempo, a identidade cultural riograndense encontrava-se em processo de reformulação, mercê da crise e das mudanças estruturais por que passava o estado. A partir da década de 40, deflagrou-se um movimento espontâneo de valorização do "ser gaúcho", mas tendo como paradigma o homem da Fronteira Sudoeste.
 
 
 
 
Na música, a confusão era ainda maior: o que fazia sucesso no estado e era apresentado como "gaúcho", nos anos 50 e 60, era a produção de artistas como Teixeirinha e os irmãos Bertussi, água com açúcar na forma e no conteúdo, "totalmente inautêntica" na definição do próprio Noel. Além disso — recordou -, crescia o poder da indústria fonográfica originária do USA e sediada no Rio e em São Paulo, "o rádio vivia a martelar alienações desleais ao povo sul-americano". Contra esta situação, Noel Guarany insurgiu-se, erguendo aquela que, desde o retorno ao Brasil, soube sem sombra de dúvidas que seria sua bandeira: "cantar a minha terra", em suas próprias palavras.
 
 
 
 
O resgate e redefinição da identidade missioneira a partir dos anos 60 é um dos episódios mais interessantes da cultura brasileira, não apenas por sua importância mas pela forma como se deu: espontaneamente, desde o seio do povo e totalmente à margem dos âmbitos letrados. Imprensa e universidade só vieram a dar-se conta de fenômeno depois que ele já havia ocorrido. Seus artífices foram artistas populares dotados de consciência, como Noel e seus parceiros — todos homens de sólida cultura, mas todos autodidatas.
 
 
PAMPA SEM FRONTEIRAS
 
 
Enquanto os primeiros pretendem que a lusofonia seja elemento definidor do ser gaúcho e denunciam como alienígena tudo o que venha da Argentina ou do Uruguai, os segundos falam em "três pátrias gaúchas" (Brasil, Argentina e Uruguai) ou "quatro pátrias missioneiras" (que inclui o Paraguai). A castelhanofobia é mais forte na fronteira do Uruguai, cuja história é marcada pelo enfrentamento militar com os países platinos; o pan-gauchismo predomina entre os missioneiros, que surgem da luta dos índios guaranis, primeiro contra os portugueses e logo contra os espanhóis — e também da mistura com ambos.
A castelhanofobia não apenas é intrinsecamente reacionária em virtude de sua pretensão de congelar a história e a cultura; a escolha da imagem do homem da fronteira sudoeste como paradigma do gaúcho liga-se frequentemente à glorificação do latifúndio. Já o pan-gauchismo é geralmente progressista. Primeiro, por preconizar a união e a solidariedade entre povos irmãos, formando um (ou uma, já que em espanhol a palavra é feminina) pampa sem fronteiras. E segundo porque, principalmente em sua versão missioneira, não compartilha a exaltação da grande propriedade rural. Muito pelo contrário: a destruição das Missões pelos portugueses significou a destruição do sistema de produção coletiva dos índios e sua transformação em párias sem terra, trauma histórico que ainda persiste. Noel colocaria sua voz a serviço deste sentimento em Precedência:
 
 
Talvez, paisano, o meu verso
em muito te desagrade.
É que a tua propriedade,
as Sesmarias D'el Rey",
meus bisavós não venderam,
são terras que nunca dei.
 
 
 
 
O que Jayme Caetano Braun fez na poesia, com versos em espanhol e tratando de temas da história e da cultura da Argentina e do Uruguai (ver AND 27), Noel fez na música ao trazer para cá ritmos que ouviu na Argentina e no Paraguai. Tinha enorme admiração por músicos dos países vizinhos, como Atahualpa Yupanqui, Antonio Tarragó Ros e Mario Millán Medina. Sua visão da identidade gaúcha não cabia na estreiteza dos burocratas: definia-se como gaúcho e paralelamente como missioneiro, como brasileiro e também como latino-americano. Em Defeito, sintetizaria esta pluralidade:
 
 
Regionalismo não falo,
só em termos continentinos:
de oceano prá oceano,
do Caribe ao Muro Andino,
meu povo só tem fronteiras
marcadas pelo destino.
 
 
POPULAR AUTÊNTICO
 
 
Conta-se (ninguém sabe se é verdade ou lenda) que um dirigente do MTG, ao visitar o galpão crioulo que Noel mantinha em Itaqui, pediu para falar com o patrão, ao que o cantor teria respondido: "Aqui não tem patrão, e se tiver, eu mato". No entanto, eram boas suas relações com um dos fundadores do movimento, Barbosa Lessa, de quem musicou poemas. É de Lessa a melhor definição de Noel Guarany, escrita na capa do disco Destino Missioneiro, de 1973: "autêntico como cantor e como gente".
Justamente por essa rara autenticidade, viria a desentender-se — sempre com razão — com muita gente. Por exemplo, com a indústria fonográfica monopolista. Rompeu publicamente com as gravadoras RCA, RGE e EMI, que negligenciavam a divulgação de seus discos e não lhe repassavam o dinheiro referente aos direitos autorais, além de não adotarem os cuidados técnicos necessários, por exemplo na prensagem dos LPs. Vários de seus discos foram lançados por selos independentes — caso dePayador, Pampa, Guitarra gravado em parceria com Jayme Caetano Braun e lançado em 1976, um divisor de águas na música riograndense.
Eram igualmente péssimas suas relações com os burocratas da Ordem dos Músicos, que chegou a fustigar publicamente em suas apresentações.
Quem viu Noel Guarany no palco, aliás, conta que o que ele dizia no intervalo entre uma música e outra era um caso à parte: abria a boca para falar de tudo que estava errado. Frequentemente desancava a gerência militar, levando ao êxtase a platéia — muitas vezes composta por estudantes para os quais cantava sem cobrar. Milico na minha frente/ não passa sem ser notado, cantou em Chamarrita de Galpão.
Há uma gravação de um show realizado em 1979, no CD Destino Missioneiro, que recupera alguns desses momentos. Entre uma música e outra, Noel diz, por exemplo:
Eu tentei me solidarizar com os grevistas (refere-se a uma greve de metalúrgicos), tal como fiz aqui com os bancários, mas lembrei que aqui ainda eu consigo alguma coisa e que em São Paulo ou Rio de Janeiro eu sou visado. Chico Buarque quis cantar, não deixaram. E eu, pior ainda, porque eles pensam que o gaúcho é mais valente que os outros.
O aspecto propriamente musical de suas apresentações não era menos autêntico. Noel apresentava-se munido apenas da voz forte e do violão que sabia tocar magistralmente. Gostava de dizer que a música gaúcha começou a decair depois da introdução do primeiro instrumento alienígena: a gaita 3. Era, evidentemente, uma hipérbole: em Payador, Pampa, Guitarra deixou-se acompanhar pelo bandoneón de Raulito Barbosa.
 
 
VIDA BREVE
 
 
A carreira de Noel Guarany durou pouco. Mas os três lustros transcorridos de 1970 — quando venceu o VII Festival do Folclore Correntino ao lado de Cenair Maicá com a música Fandango na Fronteira em Santo Tomé, na Argentina — 1985 — quando deixou os palcos em protesto contra o tratamento dispensado pelas grandes gravadoras e pelo poder público à classe dos artistas -, foram suficientes para que ele mudasse para sempre a história da música no Rio Grande do Sul.
Ainda ensaiaria um retorno em 1988, com o lançamento dos discos A Volta do Missioneiro e Troncos Missioneiros, este com Jayme, Cenair e Pedro Ortaça, e algumas apresentações. Mas uma doença degenerativa do sistema nervoso já o consumia de maneira irreversível. Passou os últimos anos recolhido em sua casa, em Santa Maria, muito debilitado e com alguns poucos lampejos de lucidez.
Em abril de 1994, o jornal O Desgarrado, de Santa Cruz do Sul, foi visitá-lo. Foi a última vez que recebeu a imprensa antes passar à eternidade, o que ocorreria quatro anos depois. Já não conseguia articular idéias e responder às perguntas. Em sua memória, só restava nítida a lembrança dos amigos: Cenair, Jayme, Ortaça, Atahualpa Yupanqui e o uruguaio Aníbal Sampayo — e de como, em suas próprias palavras, "gostava de ser cantor"...
 
 
Discografia
Compactos
 
 
2003 - Destino Missioneiro - Show Inédito

Com licença,meus senhores vai cantar um missioneiro com manhas de literato e o tino de bom fronteiro... Total, não há melhor sorte do que nascer guitarreiro. Me desculpem meus senhores esta audácia missioneira, se o ventre da minha guitarra fecunda notas campeiras... Total,cantava sozinho pras estrelas caminheiras. Me perdoem meus senhores meu saber pequenininho, a pampa,apesar de grande, me ensinou a viver sozinho... Se a pampa por entre flores tem tacurú nos caminhos. Me faço de chancho rengo no meio da sociedade, já não sofro mais com os outros hoje entndo a humanidade... Total,por ser guitarreiro aprendi barbaridade. Com licença, meus senhores, vou terminando a payada, cantando sou perigoso porque a verdade me agrada...
E é melhor ser guitarreiro do que ser pouco ou ser nada!
(Noel Guarany - Total)


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" Um payador que se preza mesmo rodando não cai, recorre a vida cantando aos pés do Eterno Pai, e depois volta de novo, cantar pra o povo e se vai! "
(Noel Guarany)